quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Leitura de uma morte vulgar



         Era como um sonho bom. Dava a eterna impressão de que não iria ter fim. Não se tinha noção de tempo, nem espaço... Não se tinha noção de nada, apenas se fazia. Se sentia. Ia, ia e ia. Algo linear e ao mesmo tempo curvilíneo e envolvente. Havia frio, mas havia também algo para nos aquecer. Havia escuridão, mas não o suficiente para impedir que nos víssemos. Havia ilusão, mas a realidade ilusória ainda se fazia realidade. Havia um carvão pousado em uma galha, e ele nos olhava. O carvão se fez com asas, e como corvo voou e voou. Mais adiante um porteiro vestido como carrasco bebia um baril de cerveja e se ria, ria como brincadeira. Em sua foice se viam caveiras dependuradas, que se chacoalhavam com o pra-lá-e-pra-cá apressado da taberneira. A noite abraçava os horizontes, e lá e cá se viam algumas árvores secas presas num chão rachado pelo calor escaldante dos dias de sol infernal. O vento deslisava frio por nossos corpos e tão fino, nos abraçava em arrepio.

        Você me disse uma vez que toda vez que eu chorava, o mundo ficava mais triste. Mas só agora entendo que o mundo o qual se referia era o meu, apenas o meu. Não te culpo por ter me arrancado lágrimas também. Todas as escolhas que fazemos nos exigem sacrifícios, eu só não imaginaria que te escolher exigisse meu próprio sacrifício. Tudo bem, é assim que isso é:  um egoísmo caritativo, e não me arrependo disso. Nem mesmo quando, em meio a tempestades, me olha nos olhos e perguntas se o que eu sinto diminuiu. Sempre odiada esta palavra: Amor. Algo tão complexo, vulnerável. Mas jamais algo que diminui. Não se ama pouco ou muito, apenas se ama. O amor é completo em sua essência. E havia te dito: "Nada vai mudar isto."

- ...Mas eu sinto.
- Nada vai mudar isto.
- Mas tu mudastes.
- Nada vai mudar isto.
- MAS TU MORRESTES !
- ...Nada vai mudar isto.

        Havia uma cruz sobre minha cabeça, e lá estava escrito: "Aqui jaz uma alma sonhadora, obcecada pelo que conseguiu.". E o que consegui? A eternidade nunca me foi uma obsessão, mas não te culpo querido. Era como um sonho bom... e te vi dançar sobre minha lápide. Mas dançar sobre meu fim não me trará de volta. Te aquietas, criança. Teu fim vai chegar, e chamaremos de recomeço. Ao meu lado é o teu lugar. 

                                                                       Kuroi Kuroneko
                                                                           10.10.12


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