quarta-feira, 27 de junho de 2012

Devaneios e esperanças #3

              A cidade estava em chamas e o caos tomava conta até das frestas mais ínfimas do lugar. Tudo se desfazia e se esvaía. O diabo estava agitado e contente. A diabrete ria desgraçadamente.
 Até que se fez pesar sobre sua consciência a lembrança de um moço que lhe dizia coisas agradáveis, que por mais estranho que fosse, parecia se importar. Perguntou-se o Porquê daquilo tudo, por que seu prazer era demasiado no meio de tanta imundice?
Em seu corpo de fada haviam também poderes de fada. - Quem disse, então, que fada não posso ser? - Falou a criatura para seus botões.
O diabo ri-se e diz com fervor: És um diabrete, Garloth! Pois assim te criei, assim te enchi de maldade e assim, deves-me lealdade.
 A lembrança do moço não se ia da mente da criatura, o que não agradou o diabo, e fez despertar um outro lado da criatura que abriu voo pelo céu e seguiu deslisando pelos campos flamejantes, criando uma fria chuva torrencial, que à todo fogo apaga, lava as imundices e a toda dor acalma.
Ela olha para o bar, agora destruído, e se assusta: O moço ali ainda está. No escuro só se vê seus penetrantes e cristalinos olhos azuis, tão frios, tão mortos, paralisados e brilhosos, reluzindo como prata ao luar.
Que terá acontecido? Que mal se fez?

sábado, 23 de junho de 2012

Indireta

Sozinho e solene, com um cigarro largado no canto da boca e uma garrafa de gim, sentado na parte mais escura e, talvez até, esquecida de um bar, um escritor obsessivo-compulsivo viciado em jogatinas muito talentoso ou deveras sortudo que ganhava a vida apostando o pouco que tinha e que aparentemente nunca perdia, ganhando muito dinheiro mas sempre gastando tudo que podia (ou não) com suas depravações e desejos insanos, observava a gritaria e agitação do outro lado do bar. Seu rosto à meia luz não dava para ser identificado, mas seu ar sombrio e sério formava quase que uma áurea ao seu redor.

Perto do balcão, sentada num dos bancos giratórios que faziam o charme de qualquer pub noir que se preze, uma loira levava um cigarro caro entre os lábios carmesim. Dois sujeitos bem-vestidos e bem desprezíveis, tão comuns e cotidianos em suas mesmíssimas formas de cortejar, fizeram a finura de levar um isqueiro aceso à disposição dela. Ela apenas sorriu pra eles e desviou o olhar.

O Barman levou o pedido de sempre dela e deixou no balcão. Scotch on the rocks. Melissa estava cansada, entediada e prestes a cometer alguma loucura, por mais bizarra que fosse, só pra se livrar do enfado que se apossara de sua alma desde que adquirira sua tão sonhada "liberdade financeira". Passando os olhos amendoados por todo o pub, notou o excêntrico escritor e ficou perigosamente interessada. Mulheres são estranhas.

Melissa se aproximou do escritor. Parou à sua frente, e o analisou de cima à baixo.Ele sorriu malicioso - sempre usava esse sorriso quando via mulheres bonitas de perto. Se ela fosse o tipo tímido e sem graça que se ofende fácil, aquele sorriso seria o bastante pra incomodá-la a ponto de fazê-la querer ir embora. E se fosse do tipo difícil - como são as mulheres interessantes - ela provavelmente sentaria sem nem pedir licença. E assim ela fez. Não só não pediu licença para se sentar, como pegou a garrafa de gim e tomou três belos goles, o suficiente pra deixar qualquer garota meio tonta. Mas ela não era uma garota, muito menos qualquer. Ela retribuiu o sorriso, e ficou ali o encarando, como se esperasse uma reação qualquer. Fato que não ocorreu, e a suposta falta de interesse do escritor criou nela uma potencialização de seu interesse. Pessoas são estranhas.

- Olá garotão, qual é o seu nome?
- Eu não tenho nome.
- Como não? Todos têm nomes. O meu, por exemplo, é Katherine. - Como toda mulher esperta, ela mentiu seu nome.
- Olá Katherine. Eu não me incluo no conjunto 'Todos'.
- Hmmm, então como poderia te chamar?
- Não me chame. - Ele continuou com um olhar distante, e agia como se não a quisesse ali, mas sabia muito bem o que estava fazendo.
Melissa sorriu. - Já ouviu falar na "Dama da Noite", garoto? Dizem que foi escrito pra mim. Mas duvido que aquele viado escrevesse algo pra mim, aquele bicha estava falando mesmo sobre ele, se imaginando vestido de mulher pelos bares, dando pra qualquer homem.
- Fala daquele escritor famoso?
- É ele mesmo. Eu amei aquele puto minha vida inteira, mas ele gosta é de outra coisa. A maior decepção da minha vida.
- Então você é a Dama da noite?
- Não. Ele é. Já disse.
- Disse o que?
- Não sou a Dama dele.
- E quem é?
- Ele.
- De quem?
- Da noite.
- E você?
- Não sou a Dama dele!
- Pode ser.
- Ser o que?
- A Dama.
- De quem?
- Minha.

Kuroi Kuroneko
23.06.12


Tinlin linlin ~~~Coraboração : Fakemaker lanananana ♪
HEOIHEOIEHOIEHOIEEHEH


P.S : Me inspirei no seulindo do Caio F. Abreu ;9





Devaneios e esperanças #2

            E aparece o diabo de cartola e guarda-chuva, com sua gravata borboleta e seus trejeitos aristocráticos, apesar de inquestionavelmente errados, de alguma forma especificamente psicológica. Vinha com os olhos tão vermelhos ocultos detrás de lentes redondas de preto opaco, vedando-lhe o semblante e boa parte da sua percepção. Apesar disso, o sorriso era inquestionavelmente largo e soberbo. Cochichou no ouvido dela algumas sugestões luxurentas, apenas para aquecê-la em sua fria contenda interna. Qualquer coisa para lembrá-la de que havia algo pra se preocupar lá fora, chamando atenção das duas que se digladiavam inerentes: a criadora de sonhos e a destruidora de sonhos. Aspectos das duas chamavam a atenção dele - e ele era feliz, porque elas eram uma só.
           A criatura deu risadas maléficas que pareciam não se findar, as quais assustaramm o moço, que não pode ver o diabo. Ele é só um moço. A criatura por sua vez dá as mãos ao diabo, e começam a dançar uma valsa macabra pelas ruas da cidade, derramando sangue e tormento por onde passavam. A cólera logo tomou conta de todos, que se corroiam e se desfaziam em um algo podre, mais podre até do que já eram. A criatura olhava bem nos olhos do diabo, a pesar de só ver um reflexo meio fosco e um vazio inigualável, ela o olhava nos olhos e se ria. O diabo a observava e sentia prazer em ouvir as risadas. Era algo que não havia acontecido nunca antes: Ele se apaixonara.




quinta-feira, 21 de junho de 2012

Anticotinianamente

Não me leve a mal, mas
Não quero me acostumar com você
Porque hoje aqui está, mas
Amanhã posso não te ver...

Não me leve a mal, mas
Não preciso de você
Te quero porque te quero
E não para de forma egoísta apenas me satisfazer.

Te quero bem, mas
Te quero à distancia
Ter-te como rotina, rodeando meus dias
Iria me enfadar.
Então saibas que te quero
Mas te quero ver voar.

 Kuroi Kuroneko
    20.06.12

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Devaneios e esperanças #1

Não se podia esperar outra coisa além disso num dia como aquele. Chovia, chovia, chovia. Se perguntava o Porquê disso, embora soubesse a resposta, tentava não acreditar. Havia causado aquilo tudo e sabia. Haviam desejos dentro de si, mas tanto fazia se se concretizassem ou não. Não fazia o menor esforço para materializar seus anseios. Que raios de vida?!
Poderia aquilo, ao menos, ser chamado de vida?
Era um diabrete com corpo de fada, que atormentava as mentes vis. Eram dois seres em um só, que mantinham uma aversão absurda um pelo outro. Um queria paz, por isso o outro provocava a guerra. Um queria sonhar, enquanto um outro o acorrentava-lhe os pés no chão. E assim seguiam, quase que fazendo uma disputa para ver qual das criaturas conseguia atormentar mais a alma do outro. Mas era uma alma só, e assim tudo que faziam era revertido para si.
- Onde escondes teu sorriso, criatura? - Perguntou um moço uma vez. Havia sumido há tanto tempo que nem se lembrava mais qual seu fim.
Odiava tudo que existia, e as possibilidades quaisquer de coisas que poderiam vir a existir. Isso incluía a criatura. Será que sofria?
- Um vazio pode ser chamado de dor? - A criatura perguntou ao moço, numa esperança falha de ter alguma resposta de efeito.O moço que se mostrava tão interessado, parecia confiável. Mas talvez não fosse. Talvez.
O moço sorria e dizia coisas interessantes. Era admirável, embora simples. Suave, embora impetuoso. Tinha grandes dúvidas, mas era genial. Não tinha uma imagem negativa, nem positiva demais ao ponto de se desconfiar. Era singelo.
Eles não se conheciam. Não eram amigos. Não eram nada. Apenas personagens de um encontro, o qual se prolongou.
Talvez o moço pudesse ajudar a criatura a parar de se ferir. Mas a criatura feria além de si mesma, tudo ao redor. Ele tinha algum tipo de resistência a violência daquele ser incompreensível, e continuava ali.
Teria fim aquele encontro?


Kuroi Kuroneko
    11.06.12

terça-feira, 5 de junho de 2012

Quatro vidas tive. Por quatro vidas te vi assim. 

Na primeira, te matei.
E vi o sangue escorrer em seu rosto sombrio, até que o remorso me tomasse a calma.
Tua alma me seguiu e me assombrou pelos vales negros da liberdade, até que caí num poço profundo... Morri.

Na segunda, tu me seguias. 
Tua áurea angelical e calma me envolvia, sua pele me fazia chorar. 
Me deste um pedaço de mim. Mas um pedaço que era só teu. 
Me devolveste, e fiquei cheia de mais de mim. 
Vazia de mais de ti... Estourei. Morri.

Na terceira, toda água contida transbordava e minha essência se esvaia  do meu ser.
Perdi as forças. 
Te busquei ao meu redor, mas nem de longe pude te ver sou sentir algum rastro de tua existência. 
Onde estávamos nós?
Sem forças e sem saber para onde ir, pereci. Ali mesmo naquele deserto de tudo. 

Na quarta vida te recriei, te tinha ali comigo.
Mesmo sem áurea ou brilho, tua perfeição era inigualável.
Tua doçura me extasiava. 
Havia água salgada, mas havia perdão. 
Me davas a vida. Me davas essência. 

Mas de repente tudo de minhas mãos se esvai. 
Meu corpo cansado reclama, minha alma podre se afoga. Minhas vidas se foram.
Minha lápide está pronta, e os vermes me chamam o nome. 
Eles me amam, eles me amam. 

Não me repudia, criança. Não me repudia...
Nas pedras tropecei, mas andarei da forma certa se tu me ensinar.


Kuroi Kuroneko 
  05.06.12