domingo, 6 de dezembro de 2015

O último abraço

Paulo tinha um segredo: Todos os dias quando ia tomar banho à noite, se olhava no espelho e começava a chorar. Via refletido no espelho a imagem do fracasso personalizado. Paulo chorava até lhe faltar ar, seus olhos ficarem vermelhos, sua pele ficar quente, sua visão ficar turva, e no chuveiro tentava parar de respirar, mas por mais que quisesse, a puxada de ar no último segundo de consciência era involuntária.
Paulo não conseguia projetar o dia de amanhã e cada momento que se seguia era incerto, como se nada existisse, como se todos os seus sentidos o enganassem e estivesse vivendo em um mundo surreal de puros delírios. Se questionava o que era verdadeiro, se estava enlouquecendo, se de fato estava vivo. E essa ansiedade o rasgava a alma, arrancava os cabelos, matava aos poucos.
É sábado a noite e Paulo se tranca no banheiro, não conteve sua água até a hora de se olhar no espelho. Paulo treme e lhe falta fôlego. Paulo sabe o que é a dor, a conhece bem de perto, ele sabe o quanto dói, e ninguém sabe disso. Ninguém consegue ouvir seus gritos ao olhar em seus olhos sedentos por salvação, e ele se afoga na água salgada de seu pequeno oceano.
Paulo sente falta dos amigos, mas nós não estamos mais em seus pesadelos, não o assombramos mais, e Paulo só quer sumir dali, de tudo. Melhor seria nunca ter nascido. A morte não o quer visitar, mas ele a tira pra dançar e nessa dança tudo se destrói. Não quer estar ali, mas Paulo não pertence a mais nenhum lugar, todos são tão diferentes, e como a Dama da Noite, Paulo está fora da roda, do parque de diversões onde todos entram e se divertem e sabem a senha pra entrar na roda, menos Paulo, que de longe observa e imagina como é ser um deles. "Sou a Dama da Noite" - ele pensa.
Esse sentimento de nada, a falta de motivos, o querer desaparecer, o tempo que não passa, as cortinas de fumaça, a maldade dos seres humanos, a injustiça com as crianças, as guerras, as mentiras e a violência, o abandono, a indecência, a rejeição, a falta de espaço. Espaço... Espaço... Paulo já não tem mais espaço, não cabe em lugar algum, e isso sufoca e aperta e machuca e sufoca e sufoca e sufoca... Não consegue respirar.
Só queria alguém pra conversar, mas foram todos embora. Seus monstros não o apavoram mais, por que já se acostumou e nada mais importa, Mas e seu futuro? E sua família? Se tudo mudar amanhã e Paulo não estiver?
Paulo brinca com navalhas que sorriem e o divertem, sem querer, se apaixonou, e permitiu que uma lhe abraçasse o pescoço.



Júlia Cordeiro
02 de Dezembro de 2015

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